Problematização do voto nulo
É óbvio que apenas anular o voto não gera mudança alguma, mas votar "no menos pior" não é uma atitude "melhor", "mais politizada", "mais progressista". Pelo contrário, votar "no menos pior" pode ser uma atitude até mais útil à ordem dominante. Se, por um lado, a anulação do voto pode representar uma aversão da população com relação à política, o que é algo excelente ao estado de coisas vigente e péssimo para a própria população (aquela frase de Platão que já virou chavão que diz que "o preço a se pagar pela recusa de governar é ser governado por alguém inferior" ilustra bem isso), essa anulação, por outro lado, pode também representar a existência de um descontentamento. E, para que algo mude, é preciso que exista - em um primeiro momento - descontentamento! Votar "no menos pior", por sua vez, simboliza, de algum modo, uma resignação, uma aceitação. Tomar essa atitude é simplesmente dizer - para os outros e para si mesmo - que não existem outras vias de mudança além das que já estão disponíveis; é limitar a prática política ao voto, à fiscalização do político eleito e a outros conjuntos de práticas já completamente mapeadas. Fazer isso é simplesmente acreditar que é possível gerar uma mudança - talvez gradual - praticando o previsível. E o problema principal de praticar o previsível é que ele não gera essa mudança esperada de nenhuma forma, afinal, essa prática é apenas uma maneira que a ordem dominante encontra para conter as revoltas e se manter dominante. O que essa ordem mais quer é que aqueles que querem mudança (ou que pelo menos dizem querer) promovam a sua manutenção acreditando estarem transformando-a. Votar "no menos pior" é fazer justamente isso. (Não podemos esquecer, como nos lembra o velho Althusser, que o sistema político também é um aparelho ideológico de Estado. E todos nós sabemos a quem esse Estado serve, não é?) Claro que transformação de verdade não acontece com aversão à política (é preciso deixar isso claro), mas ela também não vem com práticas políticas esvaziadas de significado e já absorvidas pela ordem dominante. Transformação de verdade vem com - muito - descontentamento e com uma prática política mais efetiva. Mas, para que essa prática mais efetiva comece a ser gestada, é necessário, antes de tudo, se desprender de algumas convicções e refletir (sobre as próprias atitudes inclusive).